segunda-feira, 18 de abril de 2011

Jogo 7: Saint-Joseph Offerus vs. Ca' di Pian

O jogo da passada sexta-feira foi, até à data, o mais emocionante. De um lado, o francês mais cotado do grupo, com 91 pontos atribuídos pela Wine Spectator. Do outro, um italiano de valor, ao qual a mesma revista atribuiu 88 pontos. A emoção foi tanta, que esta vossa Voz Autoral se esqueceu de tirar fotografias para documentar o espantoso desafio.

Saint-Joseph Offerus 2006
A partida começou bem. Ambos os vinhos apresentavam uma bela cor. O primeiro vestia-se de um rubi profundo e intenso, o segundo envergava um equipamento mais escuro, quase azul. Quanto ao nariz, o primeiro fazia as amoras jogarem de primeira e actuava com a pimenta preta a 10, a distribuir bolas em desmarcação para um chocolate que mostrou boa pontaria. Havia também, a presença de algo vegetal e misterioso. O segundo vinho não entrou a jogar bem. As jogadas envolviam cássis, cereja, algo entre o alecrim e a sálvia, mas sem conseguir criar perigo. O último terço do campo estava entregue a algo mineral e desagradável, que nunca conseguia fugir da armadilha do fora-de-jogo.

Ca' di Pian 2007
Na segunda parte, o jogo foi diferente, mas não muito. O primeiro vinho continuou com uma pimenta preta trabalhadora a fazer assistências para um chocolate verdadeiramente inspirado. Nos cantos, eram as especiarias e as violetas que ficavam ao segundo poste para cabecear. As jogadas eram bem pensadas, o fim-de-boca era longo e agradável, o vinho revelava um óptimo corpo. Só pecou pela acidez no início da segunda parte. Com mais alguns minutos de copo, a acidez tornou-se numa surpreendente frescura cítrica no fim-de-boca.

O segundo vinho voltou dos balneários de cabeça erguida e a querer discutir o resultado. As jogadas já eram mais pensadas, havia muita fruta vermelha e algumas flores a empurrarem o adversário contra as cordas. Os taninos muito finos chegavam sempre à área com perigo. Era um vinho de corpo médio, que não se mostrava muito equilibrado, revelando notas amargas no fim-de-boca que falhavam isoladas em frente à baliza. Contudo, era indiscutivelmente mais elegante que o primeiro vinho.

O jogo foi intenso e terminava empatado a uma bola. Esta vossa Voz Autoral deu o seu voto ao primeiro vinho, o Brutal Juiz optou pelo segundo. O prolongamento foi árduo e arrastado. Houve indecisões de ambos os lados, avanços e recuos, cedências e trocas de argumentos bem acesas. O público estava ao rubro e as claques faziam-se ouvir. Finalmente, chegou-se a um consenso. A vitória foi atribuída ao primeiro vinho, apesar do constante escrutínio sobre o segundo vinho ao longo do resto da tarde. Restava saber o nome do vencedor: Ca' di Pian. Foi uma verdadeira surpresa para uns, para outros nem tanto. A Itália põe a sua segunda equipa nos quartos, a França vê uma derrota imposta a um dos favoritos. Um grande embate, um resultado justo e um vencedor com grandes aptidões gastronómicas. O que mais se pode pedir?

terça-feira, 12 de abril de 2011

Jogo 5: McManis Cabernet Sauvignon vs. Domain Saint Gayan

Sexta-feira foi a vez dos franceses e dos americanos entrarem em campo. A partida decorreu a meio gás, já que esta vossa Voz Autoral se encontrava lesionada por via de uma constipação passageira. O nariz entupido, porém, não nos impediu de realizar este quinto encontro.

As duas equipas em campo, a fazerem o aquecimento.
Depois do habitual aquecimento de uma hora em decanter, ambos os vinhos foram servidos. Numa primeira avaliação, era quase impossível distingui-los. Apresentaram-se os dois de equipamento rubi-violeta profundo. Chegou, então, a altura de avaliar o bouquet. O primeiro vinho era extremamente aromático, ocupava o campo todo e tentava chegar à área com passes longos. As notas de cássis, amêndoas tostadas, mel e muita baunilha entravam na área e conquistavam penaltis. O segundo vinho, de acordo com a avaliação desta Voz Autoral, não tinha bouquet. O nariz entupido fez de árbitro-assistente e cometeu a injustiça de anular golos por foras-de-jogo mal assinalados às cerejas, violetas e especiarias tostadas (assim nos informou o Brutal Juiz).

Os equipamentos praticamente iguais.

Na segunda parte, a história foi outra. O primeiro vinho, optou pelo ataque directo do pontapé para a frente e fê-lo de forma tosca e imprecisa. Os sabores a mel e baunilha não se revelaram armas suficientes para ampliar a vantagem e falhavam no fim-de-boca que, apesar de longo, era algo desagradável e estranhamente salgado. Quem não marca, arrisca-se a sofrer. O segundo vinho pegou no jogo e mostrou o que valia. As tabelinhas das ameixas, da fruta abundante e do alcaçuz conseguiam, em jogadas estudadas, preencher todo o campo. O fim-de-boca extremamente longo e os taninos muito finos não perdoavam à boca da baliza e fuzilavam o guarda-redes ao jeito de verdadeiros matadores.

Para variar, o derrotado tarda em regressar aos balneários.

Soou o apito e a decisão não se revelou fácil. Um a um no marcador e obrigação de ir para prolongamento. Esta vossa fiel Voz Autoral argumentava que o bouquet do primeiro vinho, apesar do nariz entupido, dava nas vistas, coisa que não sucedia no segundo vinho. O Brutal Juiz, por seu lado, garantia que o do primeiro era demasiado enjoativo e que o do segundo estava no ponto. Ao contrário do que acontece no futebol, os árbitros do encontro socorreram-se metaforicamente das novas tecnologias e viram a repetição das jogadas. Na verdade, o nariz deste vosso humilde comentador havia assinalado penalti ao teatro da baunilha do primeiro vinho, anulando mal os golos do segundo. Tive que dar o braço a torcer e entregar a vitória ao segundo vinho. Não foi difícil adivinhar qual era qual: fica pelo caminho o McManis, segue em frente o Domaine Saint Gayan. Talvez daqui a uns anos, quando a madeira estiver menos presente e o vinho ficar um pouco mais redondo, seja possível beber melhor o americano.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Jogo 3: Dona Maria vs. Passo delle Mule

Por fenómenos aos quais somos alheios, vimo-nos obrigados a começar pelos jogos ímpares deste campeonato mundial. Peço-vos, leitores, que não estranhem o súbito desaparecimento de algo que não chegou sequer a ter lugar. Refiro-me, claro, ao segundo jogo.

Dona Maria 2007 vs. Passo delle Mule 2008

O antecipado embate luso-italiano ocorreu na passada sexta-feira numa atmosfera de entusiasmo e excitação, com uma excelente moldura humana (a Voz Autoral sempre quis usar esta expressão!). Antecipava-se um bom jogo, a opor um Dona Maria favorito dos leitores a um menos valorizado Passo delle Mule. Seria a segunda vitória portuguesa frente à Itália? Ou estaríamos perante uma vendetta da squadra azzurra pela desfeita no primeiro jogo?

As equipas entraram em campo depois de uma hora de alongamentos nos decanters. Não havia grande diferença nos equipamentos, ambos os vinhos vestiam um tom rubi, sendo que o segundo era ligeiramente mais profundo. Os juízes meteram o nariz onde lhes competia e deram pelos frutos vermelhos maduros, o morango, a cereja e algo vegetal no primeiro vinho, e pela ameixa seca, couro, madeira, violetas e cavalo morto ao sol, impossibilitado de chegar ao estábulo por causa de uma qualquer gangrena, no segundo. O embate não cumpria tanto quanto havia prometido.

Depois de uma primeira parte pouco equilibrada, o vinho número um tornou a entrar ao ataque com o seu sabor a frutos vermelhos, morango e figos maduros. As jogadas eram bem estruturadas, com um fim de boca longo e saboroso que entrava na área em fintas sucessivas. Os taninos finos e equilibrados até marcavam de bicicleta. Um vinho que dava gosto ver em acção, elegante e de corpo médio.

O segundo vinho entrou para a ponta final do jogo já cansado e de cabeça baixa. Na boca, mal se percebia a presença da ameixa seca, das violetas e do couro. Era um vinho fechado na defesa, desagradável e faltoso no palato. O nível de acidez era muito alto, não havia jogadas estudadas, nem sequer uma tentativa de contra-ataque, apenas as entradas a pés juntos que mereciam vermelho directo. O que se pode dizer mais? Era um vinho com bom corpo, mas muito desequilibrado. A acidez estragou o espectáculo.

Note-se que o derrotado ficou no copo.

No momento de apitar para o final do jogo, tinha ficado bem claro quem era o vencedor. A decisão foi inequívoca e unânime, só faltava saber o nome do apurado para a ronda seguinte. Para espanto de alguns e pouca surpresa de outros, o nome do primeiro vinho surgiu: Passo delle Mule. A squadra azzurra acabou, então, por derrotar uma favorita selecção das quinas que pouco ou nada acrescentou a este mundial. Segue em frente com todo o mérito e cá a esperamos para os quartos!